segunda-feira, 19 de março de 2012


Viu o braço do homem se estender em sua direção, franziu de leve o cenho seus olhos chegaram até a imagem das palmas das mãos do mesmo; lhe oferecia algo. — Ah! — Em suas mãos havia um grande volume, que se mexia em um movimento contínuo e com uma freqüência exata. Um volume negro, que parecia ter sido cortado, arrancado, pingava. Era um coração. O coração dele. Por alguma razão sabia que ele era o dono daquele músculo, estava assustada, sua barriga permanecia gélida e seus lábios demoraram para emitir qualquer som novamente, sua respiração voltava pouco a pouco ao normal enquanto ainda com a expressão de assustada tentava interpretar o rosto tranqüilo dele. — O.. O que é isso? — Viu sua cabeça balançar de leve com um sorriso leve e brincalhão. — Você sabe o que é. — Temia aquela resposta. Comprimiu seus lábios, sua expressão era séria e seus olhos guardavam seus temores e caos que teriam se formado naquele ar. — Eu.. Não, Thomas.. Eu não posso aceitar. É seu coração. — A jovem o viu mais uma vez rir de suas palavras como se fossem trivialidades que não se importasse nem a ouvir. — Ann, ele é seu desde que nos conhecemos. Não estou te oferecendo, não escolhi isto. Ele te escolheu. Você pode cuidá-lo ou, apenas, ignorá-lo. — Seus olhos desceram até o músculo, pulsava com rapidez, de jeito saudável, não extremamente.. Mas estava bem. Temia pela responsabilidade, temia pelo significado que aquilo teria. — Mas se eu não aceitá-lo, ele não poderá voltar a ser seu? — Sua voz hesitava de ser emitida, sentia dor em perguntar as suas dúvidas mas sabia que se não perguntasse, algo pior poderia acontecer. — Voltará. Mas vai demorar, pelo menos um mês. Por um mês ele ainda te pertencerá, vai te seguir onde estiver.. Sendo ignorado, será maltratado naturalmente e só poderá ser meu novamente quando acabarem todas as suas forças. — Sua expressão era serena, não havia nervosismo e nem ondas de emoções como as que possuíam a alma da garota. Seu rosto começava a ter pigmentos mais rosados e seus pensamentos, a perderem o foco. — Está tudo bem? — Seus lábios foram comprimidos novamente enquanto ela olhava para o lado por alguns segundos notando que não estava conseguindo esconder suas emoções. — Você está me oferecendo um coração Thomas! Um coração! Isso não acontece todos os dias. Na verdade, isso nunca me aconteceu. — Ouviu o riso sarcástico masculino e seus olhos a analisá-la com ternura e piedade. — Ann, corações são oferecidos todos os dias. Você oferece e muitos oferecem para você. Mas você que não vê.

terça-feira, 6 de março de 2012

“Na verdade, nem seu dinheiro é.”. Aquelas palavras, soltadas na hora de raiva, mal notadas pela minha mãe teriam me ferido em cheio. O dinheiro não era meu. Eram deles. Como o dinheiro que provinha todo o meu reino de desventuras. Meus estudos, minhas roupas, meus sonhos, meus livros, meus sapatos, meu quarto. Tudo que antes colocava o pronome possessivo na frente. Nada me pertencia. Somente minha alma. Minha alma corroída. Não me sinto boa o bastante para receber toda aquela atenção, aqueles carinhos, sorrisos, seus dedos macios tocando a minha pele, todo aquele afeto. Meus pais são bons. Demais. Mereço tudo isso? Tenho medo da resposta. Uma voz no fundo, me diz que não.

A verdade é, não me sinto boa o bastante. Nem para eles e nem para ninguém. Sei que sou melhor do que alguns, mas até que ponto? Aquele homem que esfaqueou sua irmã não acordou um dia e por vontade involuntária e irracional a matou. Sofreu violência pela sociedade. Se eu sofresse o que ele sofreu, será que faria melhor? Não teria pego a faca antes? Não. Sim. As possibilidades e os absurdos inventados pela minha mente e dos outros são várias. A idéia de que alguém se lembra do meu rosto, meu nome, minha voz e talvez meu riso.. Me incomoda. Mereço aquele pedaço de sua mente? Por que seria tão tolo em me guardar? Não sou o demônio. Mas não sou um anjo. Cometo pecados que não involvem a luxúria e nem a ira; isso não me faz menos pior. Uma prostituta pode ser melhor que a minha pessoa. Te soa como uma loucura, mas posso ser pior.. Em minha mente.. Quando paro, quando estou sozinha, sempre me deparo com a tola pergunta que me mantém viva: Mato eles ou a mim?

The Kiss pt. 01


Um silêncio fixou-se na sala, o ar estava pesado; todos queriam quebrar o silêncio, mas todos pareciam temer fazer o mesmo. Era a quinta semana que aquilo acontecia, Sebastian e Adamo, ideologias, opiniões, personalidades opostas. — Você é só um garoto. Viveu menos do que um terço de sua vida. Não sabe nem o que é ver, sentir um ente querido morrer. Viver à sombra da morte. — Os espectadores teriam visto o jovem congelar por alguns segundos e depois formar um sorriso no canto da boca, alguns sentiram calafrios, outros, como o psicanalista do grupo sabia que era a hora de encerrar a sessão. — Já deu a hora. Vamos.. Encerrar por aqui, nos vemos semana que vem no mesmo horário. — Muitos se levantaram e começaram a pegar seus materiais, bolsas sussurando enquanto isso sobre a discussão dos dois. Sebastian permanecia sentado. Braços cruzados. Sorriso nos lábios balançando de leve a cabeça. — Me julga pela minha idade e roupas. Acredita mesmo que sabe alguma coisa sobre mim? Que é inferior a mim? Você não faz idéia pelo que eu passei. Teria derrubado a cadeira, o metal de sua estrutura colidiu com o concreto debaixo do carpet da sala. As mulheres que permaneciam na sala ainda, três se encolheram, assustadas se despediram rápido saindo do cômodo. Adamo caminhou em direção ao loiro, ficando cara-a-cara, centímetros de distância. Muitos não se moveram com medo do que iria acontecer. — Se você realmente passou por algo, sente algo, fique no grupo e participe corretamente das atividades ou vá embora. Não nos desrespeite. — A expressão do italiano permanecia firme, séria e hostil. O loiro, balançou de leve a cabeça dando um leve sorriso quando levantou o punho fechado para o mesmo. — PAREM! OS DOIS! FORA! ISTO É UM GRUPO DE RECONSILIAÇÃO! VÃO OU CHAMAREI OS SEGURANÇAS! — O psiquiatra respirou novamente ofegante, seu rosto estava com o pigmento avermelhado, veias saltadas, Sofia se apressou em verificar se ele estava bem. Adamo se afastou indo pegar sua mochila no armário enquanto Sebastian caminhava em direção a porta.

The Kiss, pt. 02x01


Seus passos eram ágeis e exatos. Ecoavam pelo corredor frio e solitário, em choque com seu espírito inquieto e que naquele momento ardia de rancor. Parou por alguns segundos, acendeu um cigarro, apoiou suas costas em uma das paredes do corredor, tentava respirar com menor velocidade. Diminuir a circulação de adrenalina. Fazer um que seu sangue percorresse normalmente pelo seu corpo. Tragava no ambiente fechado encarando a lâmpada acesa. Ouviu o barulho de outros passos serem emitidos pelo corredor, eram calmos e pelo som, femininos. Olhando para o lado, avistou uma jovem de cabelos castanhos, estatura baixa, vestindo uma calça legging, oxfords pretos e uma blusa estampada; carregava uma bolsa a qual em sua visão parecia grande de mais para ela. Era do grupo. Um dos poucos que o tolerava e defendia. Como ele, não era italiana. Pouco a pouco, notou que a morena o encarava e se não estivesse enganado, vinha em sua direção. Parou poucos centímetros de seu corpo em sua frente, não sabia desvendar seu rosto, os segundos pareciam minutos e dando a última tragada jogou o que restou do cigarro no chão pisando logo depois no mesmo. — Eu sei, ele faz aquilo de propósito. —Os olhos da jovem encararam por alguns segundos o chão, deu um leve sorriso. — Talvez eu deva realmente sair do grupo. — Formou um leve sorriso em seus lábios dizendo o que antes estaria refletindo. Viu o cenho da jovem franzir de leve ao ouvir aquilo e antes mesmo que pudesse se explicar, ao abrir seus lábios sentiu os da jovem encontrarem os dele. As mãos macias dela envolta de seu pescoço o puxando para baixo, pela diferença de altura que tinham, deu um sorriso no canto da boca enquanto a beijava, segurando-a pela cintura a levantando o pouco que fosse. Antes que pudesse se aventurar, sentiu os lábios doces da mesma se afastarem. A olhou confuso querendo continuar. Suas mãos começaram a se distanciar de seu corpo. — Adamo não percebe. Mas eu sei que você quer participar. Continue no grupo. Eles parecem malucos e desequilibrados, mas são legais. — A ouvindo, fora a abaixado lentamente e tirando as mãos de sua pequena cintura. — Pense nisso, está bem? — O toque da mão macia e quente da jovem em seu rosto o fez fechar os olhos por alguns segundos, acenou com a cabeça. — Ótimo. Lhe vejo semana que vem então! — Sua voz era empolgada, tinha um sorriso em seus lábios deixando a mostra seus dentes perfeitamente alinhados. Seus olhos verdes pareciam brilhar. Em poucos minutos, estava a sair do corredor, não corria, mas tinha passos ligeiros como os de quem tinha costume de não utilizar nenhum meio de transporte. — Hey! Mas.. Você me beijou. — Tinha uma expressão no rosto como a de um adolescente confuso, em resposta, a jovem teria sorriso sem graça. — Eu sei. Achei que você precisava.

The Kiss, pt. 2


(…) — Acho que tudo começou com a minha primeira namorada. No colegial ainda. Ela era incrívelmente atraente e nunca me contava o que sentia, achava que aquilo a tornava mais intrigante. Mas acho que errei. E vocês? Quando tiveram seu primeiro beijo? — As mãos calejadas do homem teriam parado de amassar em tentativas de modelar suas aflições no lenço utilizado antes para secar suas lágrimas. Encarava as outras almas sofredoras ali. Um círculo feito de pessoas. Frágeis. Em contradição. Magoadas. Demoraram alguns segundos para emitirem as ondas sonoras de suas vozes em resposta ao homem. Os lábios da mulher ao seu lado se moveram, possuía grandes olhos castanhos, rosto fino, lábios grossos, uma beleza única mas que ao primeiro olhar parecia oculta. Seu nome era Catarina, por ironia, seu nome não houve influência em sua personalidade, era uma jovem executiva que teria terminado o namoro de longa data com um homem que a agredia; e temia ter feito um enorme erro. Treze anos. Basilica di San Lorenzo. Eu tinha ido rezar com a minha mãe para a saúde de meu pai. Havia turistas naquele dia e.. Ele era americano. — Um sorriso maroto e a alegria fora vista pela primeira vez ser pintada em seu rosto, algumas mulheres do círculo deram uma leve risada, os homens alguns se atreveram em dar um leve sorriso. Doze anos. Estávamos no colégio, a beijei no bebedouro. — O ar ali começava a ficar mais leve, sorrisos, cores, olhares, lembranças, corações voltavam a bater por alguns segundos. Uma, duas, três, quatro pessoas teriam relatado seus primeiros beijos, era a vez de Sebastian. Era o mais novo integrante do grupo de apoio, e um dos mais jovens; a hostilidade que se tinha com o homem era grande, sempre tentava ser apaziguada, mas todos sabiam que muitos ali não apagavam a idéia de que ele estivesse ali à força. Era alto, possuía cabelo louro escuro e olhos claros, possuía uma expressão séria; raramente falava, para alguns era carregado de um ar arrogante, para outros, era o que mais precisava de ajuda ali. Todos o olharam curiosos, sorrindo, esquecendo por alguns minutos as ideologias que possuíam sobre qualquer membro ali, quando o jovem deu um leve sorriso sarcástico e se arrumando na cadeira abriu seus lábios. — Passo. — Alguns corações somente ignoraram a recusa do loiro e continuaram a palpitar com o passado colorido, outros, o sentimento de rancor teria pingado novamente os fazendo revirar os olhos prosseguindo com a pergunta para o próximo. Carnaval. Casamento da irmã. Adolescentes. Ah, os hormônios, sempre levando o ser humano à insanidade e ao encontro com um dos pecados mais famosos. Era a vez de Ann, era a mais jovem do grupo e mesmo assim, muitas vezes era a mais sábia. Vendo que era a sua vez, deu um leve sorriso corando de leve desviando o olhar do homem que alguns minutos antes teria recusado a responder a pergunta, encarou o chão ainda que com o olhar doce. Molhou os lábios. — Semana passada.

Comparação entre homens e anjos.


Sou um homem, não um anjo. Os anjos são reconhecidos pelas grandes asas brancas. Os anjos-caídos pelos ferimentos da queda. As semelhanças se acabam por aí. Pois se não tenho asas, até possuo algumas cicatrizes. Mas um terço de mim é sólido e dois terços líquido, como os humanos e os outros mamíferos. Há talvez (Sinto) uma massa corpórea que se move aqui dentro como uma névoa; sou um por cento de certezas cercado por noventa e nove por cento de dúvidas. O que me torna um humano e não um mero animal, são elas, as minhas inseguranças. Mostre-me alguém seguro de tudo que faz, e eu lhe mostrarei um mutilado e um demente (Ambos em um só tempo). Todo os defeitos do mundo, dos mais graves aos mais pequeninos e irritantes já passaram e passarão por aqui (E não quero esconder nenhum). As vezes tenho qualidades, às vezes. Mas quando estou junto a você, sei que sou um cara legal. Coisa que, a um anjo não aconteceria.

segunda-feira, 5 de março de 2012


(…) Uma risada sarcástica saiu dos lábios da morena, seus olhos se fecharam por alguns segundos, tentava se acalmar. Apoiou suas mãos em cima da mesa, jogando alguns centímetros de seu corpo para trás. — Será que você não consegue ver? Eu sei o que é certo e o que é errado. E isso dificulta tudo! — A sua frente, se posicionava um homem alto e de fios de cabelo louro, o qual ao ouvi-la, emitiu a mesma risada levantando as sobrancelhas colocando as mãos no quadril. — Dificulta no que Ann? Isso me parece facilitar! — Os lábios grossos da jovem se comprimiram, não compreendia como seu namorado estava impossibilitado de compreender a sua linha de raciocínio. Queria rir, mas ao mesmo tempo chorar pelo ar de drama que aquela pequena decisão teria tomado. — Não facilita! Por que eu farei o que é certo! Acima de tudo! Acima até mesmo das minhas vontades! Principalmente acima delas. — A expressão confusa e irada do mesmo fora se desmanchando lentamente, notou-se uma alteração por alguns segundos da garganta do loiro, teria engolido seco dirigindo seus olhos azuis para o chão. Ann respirou fundo, conseguindo finalmente colocar um leve sorriso em seus lábios novamente. Caminhou até ele, ficando somente alguns centímetros sem encostarem seus corpos; pegara nas mãos do mesmo encostando logo depois a cabeça no peito de Sebastian. A diferença de altura do jovem casal era notória. — Não entrei naquele grupo por meus traumas.. Os superei faz anos.. Entrei para conseguir me libertar de mim mesma.. — Sua voz era pacífica e em tom baixo, teria corado levemente, mas somente ela teria sentido e tido conhecimento desta reação.

domingo, 4 de março de 2012


Suas mãos deslizavam pelas minhas costas me fazendo tremer, sentir coisas que nunca tinha sentido antes. Queria pedir que você parasse. Queria pedir que nunca acabasse. Desenhava em minha pele com destreza; as perguntas e a insegurança cresciam, fechava os olhos e tentava respirar direito, não enlouquecer. Estavas a me seduzir? Queria me ver enlouquecer? Ou somente fazia gestos de fraternidade? Cada segundo ali sentindo seus toques e sua voz me matavam. Até que a verdade fora revelada. Minhas perguntas estavam certas. Meu suor não era em vão. Acredito ter parado de respirar algumas vezes. Você me queria do mesmo jeito que eu a desejava naquele momento visceral. Duas amigas. Se desejando. A infância quebrada pela curiosidade maestrada por pecados. Pecados tão deliciosos e nunca aceitos pelo céu.

A via contemplar os detalhes que havia naquela tarde cinzenta onde ecoava murmúrios e os tilintar de talheres e xícaras naquela cafeteria; algumas vezes conseguia captar o que seus olhos apreciavam, mas na maioria do tempo, só podia contemplá-los. Eram olhos sonhadores, ágeis, apaixonados por detalhes onde acredita ter afeição. Carregava em seus lábios o velho sorriso melancólico que enganava a muitos ao dizer que estava bem e em seus longos e finos dedos de artista, um cigarro, o alimentador do fogo de suas agonias. Ainda me lembro do choque que tive ao vê-la com um cigarro em suas delicadas mãos, ao notar que ela não era uma fada que veio encantar a minha vida mas sim uma garota, tão frágil quanto eu. — Sabe.. Algumas vezes o amor é que nem um inseto. Já percebeu? — A olhei não compreendendo aonde ela queria chegar (como sempre). — N.. Não. — Ela soltou um ruído como a de uma criança que ainda esperava mais palavras virem do meu ser. Não estava mais olhando para o local em si, mas para meu rosto, temia seus ágeis pensamentos. Engoli seco molhando os lábios criando coragem para ouvi-la, ouvir mais palavras eloquentes que no fundo, sabia que eram verdades. Verdades que poderiam ser escritas em um livro que poucos poderiam ler, pois os tolos que o lessem não a compreenderiam e a colocariam ao lado de Lispector. Onde as palavras parecem belas, mas não enchem a alma deles. — Por que essa analogia? — Vi um sorriso maroto ser formado por alguns segundos em seus lábios, os quais entraram em contato mais uma vez com o cigarro, tragando, ficou alguns minutos depois apreciando a fumaça que ela mesma soltara. — Vemos o inseto de longe, ele nos incomoda. Sabemos direitinho o que fazer quando chegar perto, como imaginamos que vão chegar e como poderemos matar. Mas na hora, eles chegam rápido demais, estão em nossos rostos.. Entramos em pânico esquecendo-se do plano e quando vemos, estamos batendo em nós mesmos.